O padrinho de Tiririca, ou melhor, de Francisco Everardo Oliveira Silva mostra à reportagem a casa onde morou o artista. “Isso aqui era uma bodega velha, antiga”, diz o padrinho, apontando para o imóvel. Muito pobre, a família morava de favor. Quando Seu Francisco ia buscar o pequeno artista para as apresentações no circo, ele conta que encontrava a seguinte cena: “A mãe dizia: ‘Não pode ir agora não que ele está fazendo dever’. Bichinho deitado no chão, escrevendo as coisas”, relembra.
A reportagem pergunta se Tiririca escrevia alguma coisa mesmo, se sabia escrever. “Ele sabe... Sabe escrever”, responde o padrinho.
Não há registro do aluno Francisco Everardo Oliveira Silva nas escolas de Itapipoca, mas os moradores contam que, na época dele, era comum ter aulas em casa ou então no antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), onde os alunos tinham aula fora da escola.
“Eu sei que a gente estudava junto. Tinha uma professora que vinha para a casa da gente. Naquele tempo, não tinha negócio de colégio de estado, de prefeitura. Não existia isso, não”, afirma a agricultora Maria Socorro Sombra.
O G1 também foi a Itapipoca e conversou com diretores dos quatro colégios mais antigos da cidade, o Anastácio Alves Braga, o Joaquim Magalhães, o Murilo Cerpa e o Monsenhor Tabosa, que não encontraram documentos sobre a vida escolar do deputado que mais recebeu votos no Brasil.
Apesar da falta de registros oficiais, não é possível garantir que Tiririca não tenha estudado, já que grande parte das crianças da periferia se preparava em casa antes de ingressar na escola formal. E ele vivia de forma itinerante com a família entre os bairros Picos, Jenipapo e Olho D'Água, na periferia pobre da cidade. Moradores dos bairros onde Tiririca viveu reforçam a possibilidade de ele ter tomado aulas de ensino fundamental em casas particulares.
Quem dava aula nestes locais era a professora Ana Isa Ávila de Braga, que hoje tem 78 anos. Ela disse ao G1, no entanto, não se lembrar nem ter registros que possam comprovar a presença dele nas aulas.
"Fui professora de 1948 até 1977, no Jenipapo, no Circo Operário. Eu só sei do Tiririca na televisão. Nunca conversei pessoalmente com ele. E eu conheço todos os meus alunos, como o José Dário, o filho do Sebastião Matias... Se ele tivesse sido meu aluno, eu recordava. Daqui deste bairro, só existia eu e depois a minha irmã, que também não lembra de ter dado aula para ele", afirmou.
Desde que chegou ao Ceará, na madrugada de segunda-feira (4), Tiririca não deu declarações. Em sua página na internet, havia apenas a mensagem: "Minha grande escola foi minha vida. Pensem nisso".
A reportagem foi a Fortaleza, até a casa de Ângelo, um dos filhos de Tiririca. Quem apareceu foi a avó do rapaz. Mas, antes da entrevista, uma ligação: era Ângelo. “Não quer que eu fale nada. É ordem do pai”, diz a avó.
A suspeita sobre a escolaridade de Tiririca se tornou pública após publicação de uma reportagem sobre o assunto na Revista Época. “Quando o Tiririca começou a despontar como um dos candidatos que seriam mais bem votados do país uma pessoa que trabalhou com ele, no meio artístico, comentou: ‘Poxa vida, ele não sabe nem ler nem escrever e está indo tão bem na eleição’. Esse foi o ponto inicial da nossa reportagem”, conta Ricardo Mendonça, jornalista da revista.
“A gente resolveu acompanhar a campanha dele por dois dias aqui na Grande São Paulo. Em dois momentos, resolvi convidar ele a ler alguma coisa. Em um primeiro momento, eu peguei uma mensagem de celular, pedi pra ele ler, ele ficou espantado, meio assustado, não leu. E, num segundo momento, eu fiz duas perguntas. Na terceira pergunta eu pedi pra ele ler e, aí, se criou uma pequena confusão”, conta o jornalista Victor Ferreira.
A Revista Época tentou um último contato antes de publicar a reportagem. “A assessora me disse que ele sabia ler e escrever. Então, queria me encontrar com o Tiririca para ele ler alguma coisa, escrever, e a suspeita se encerra aqui, a gente não publica essa matéria. Aí, ela não autorizou, não quis. Enfim, achou que ia ser humilhante para o candidato”, conta o jornalista Victor Ferreira.
O Ministério Público de São Paulo resolveu investigar o grau de instrução de Tiririca. “A lei não obriga que seja de primeiro grau, de segundo, superior, nada disso. Apenas um comprovante de escolaridade. Na ausência desse comprovante, deve ser firmada, de próprio punho, uma declaração de que o candidato sabe ler e escrever”, esclarece Maurício Antônio Lopes, promotor de Justiça eleitoral de São Paulo.
Francisco Everardo Oliveira Silva apresentou a declaração ao Tribunal Eleitoral. A letra, no entanto, é bem diferente da que aparece no autógrafo dele. Uma perícia técnica, feita a pedido do Ministério Público, apontou também irregularidades no texto: a letra "S" é escrita de três maneiras diferentes, assim como as letras "R" e "D".
“Alguém que tinha uma escrita muito melhor do que aquela demonstrada no papel procurou fazer-se passar por alguém que tivesse uma escrita rudimentar, imitando, assim, o que talvez pudesse ser a caligrafia do candidato”, observa o promotor.
Tiririca foi denunciado por falsidade ideológica e pode não assumir o cargo. Pela Constituição, quem não sabe ler e escrever não pode ser eleito. O artista, então, virou alvo de duas representações na Justiça. Uma delas já foi aceita pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Aloísio Sérgio Rezende Silveira, que deu prazo de dez dias para que a defesa do artista se manifeste. Nesta representação, o promotor afirma que Tiririca é analfabeto, o que descumpre uma exigência constitucional para aqueles que pretendem ocupar cargos eletivos. A outra tem relação com a possibilidade de o candidato ter falsificado a declaração de próprio punho entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Tiririca tem até o dia 24 de outubro para apresentar sua defesa. Ele terá de escrever, na frente do juiz, uma declaração igual à do registro da candidatura. “Ser ou não alfabetizado é uma questão de oportunidade. Agora, esconder a sua condição de analfabeto para disputar uma eleição valendo-se de sua popularidade, isso não é oportunidade, isso é oportunismo”, afirma o promotor Maurício Antônio Lopes.