Em uma noite de março de 1994, o repórter da Globo Valmir Salaro estava encerrando seu expediente na redação, em São Paulo, quando atendeu uma ligação. Era uma mãe, desesperada, denunciando que seu filho tinha sofrido abuso sexual em uma escola de ensino básico no bairro da Aclimação. O jornalista foi para a delegacia onde o caso seria registrado e informado pelo delegado que a criança tinha sido encaminhada ao IML (Instituto Médico Legal) para perícia. Salaro esperou até o dia seguinte, quando o laudo confirmaria a violência, para dar um furo de reportagem no Jornal Nacional que pautaria todos os veículos da imprensa nacional e até internacional. As donas da Escola Base, Maria Aparecida Shimada e Paula Milhim Alvarenga, e seus respectivos maridos, Icushiro Shimada e Maurício Monteiro Alvarenga — o motorista da perua escolar —, foram todos acusados de estupro por duas mães de alunos: Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho, que suspeitavam que os quatro haviam chegado a levar as crianças para gravar filmes pornográficos e orgias. Após investigações policiais, entretanto, foi constatado, por faltas de provas e contradições em depoimentos, que tudo era mentira. Mas, a esta altura, a vida dos quatro acusados já havia sido destruída pela opinião pública.
Após 27 anos do escândalo que manchou a credibilidade da imprensa e das autoridades policiais como um todo, o Globoplay lança o documentário Escola Base — Um Repórter Enfrenta o Passado, já disponível, que coloca Valmir Salaro diante das verdadeiras vítimas do caso: os acusados injustamente de crimes que não cometeram para pedir desculpas. Ao longo da produção de quase duas horas, o jornalista revisita o caso, com transições entre passado e presente, depoimentos de funcionários da Globo que participaram da cobertura, imagens de arquivo das reportagens que saíram à época, e muitas autorreflexões de Salaro em uma jornada tocante — e revoltante — de autocrítica e perdão.
Além de integrar um rol de produções que servem como um guia de boas práticas jornalísticas para aspirantes e profissionais do meio, o documentário homenageia Maria Aparecida e Icushiro Shimada, já falecidos, mas que foram representados por seu filho, Ricardo, que também sentiu na pele o escrutínio da imprensa e sociedade, mas que hoje já fez as pazes com o passado e até com Valmir, conforme exibido em Escola Base — Um Repórter Enfrenta o Passado, assim como Paula e Maurício, que também participaram das gravações para contar suas visões sobre os tempos sombrios. Apesar do desconforto e sensação de injustiça que a produção provoca ao desenterrar uma história repleta de equívocos de mães das falsas vítimas, do primeiro delegado do caso, da perita que soltou o primeiro laudo mentiroso e da cobertura midiática tendenciosa, a produção prova que nunca é tarde para redenção.
Fonte Veja