Leia a crítica de Michael Jackson's this is it publicada em Zero Hora no dia 31 de outubro de 2009, quando o documentário estreou nos cinemas.
Michael Jackson precisou morrer para mostrar que estava vivo
Cinco minutos de projeção bastam para que se engula cada palavra dita e pensada sobre ser This is it mais uma oportunista pá de cal jogada sobre o túmulo de Michael Jackson, um novo capítulo do circo mórbido que cercou a morte daquele um dia entronizado Rei do Pop. A grata surpresa diante desse tributo póstumo é ver que diante da tela não está mais a figura decrépita que teve sua persona pública reduzida à caricatura de um freak show turbinado por bizarrices, excentricidades e escândalos que desenharam sua morte artística ainda vida.
Longe disso. O MJ que salta aos olhos, aguça os ouvidos e faz bater os pés no filme, acreditem crianças que não o viram no auge, é o soberano em plena forma e alto-astral. MJ parecia ter a certeza de que o espetáculo que ensaiava ao morrer era sua derradeira chance de volta ao topo. Não apenas para aliviar suas dívidas milionárias, mas especialmente pela chance de redenção junto aos fãs que, justiça seja feita, nunca desistiram dele.
Michael e a enorme equipe presente no ginásio sentem que os 50 shows que estavam por realizar em Londres seriam históricos. Na busca pela nota certa, pelo compasso perfeito, pela coreografia exata, ele é exigente consigo e com o time de excepcionais músicos e bailarinos. Mostra-se generoso com os parceiros e atento às sugestões, mesmo que todos saibam quem é que manda.
"Deus te abençoe", "Eu te amo" e "Obrigado" são as expressões que mais se escutam por ali, soletradas com genuína sinceridade pelo artista. This is it começa com depoimentos dos jovens dançarinos que encaram a mais rigorosa seleção que já se teve notícia no universo pop. Chegados de várias partes do mundo, passam pela exaustiva peneira diante do próprio MJ. Os selecionados desabam de felicidade. Choram e lembram quando imitavam o ídolo diante da TV e nem em sonhos poderiam se ver ao seu lado sobre o palco.
Quando a gurizada entra em ação nos ensaios, percebe-se que o faro de MJ para garimpar talentos segue apurado. Que o diga a guitarrista australiana Orianthi Panagaris, bela e competente loira de 24 anos que o astro descobriu pelo YouTube e recrutou para sua banda. E quando é Michael que irrompe no palco, mandando ver Wanna be startin¿ somethin, o queixo começa a cair. O groove exige as caixas de som do cinema ao limite.
Às vésperas dos 50 anos, ele dança, flana e requebra como nos velhos tempos. A câmera vira para o lado e flagra o entusiamo da equipe. "Ele está de volta e temos o privilégio de ver nascer algo que vai assombrar o mundo", parecer ser o pensamento que, entre os olhares embasbacados que se cruzam, parece ecoar em uníssono pelo ginásio. Se a voz soa frágil, Michael assume que está se poupando para a marotona de shows que se aproxima.
Dirigido pelo Kenny Ortega (coreógrafo com boa ficha de serviços em Hollywood, como a recente franquia High school musical), também responsável pelo espetáculo, o documentário combina os bastidores do show que nunca estrearia com a realização dos filmes que seriam exibidos nos telões. Cada um deles uma superprodução, como o que MJ contracena com os grandes ídolos dos filmes noir Humphrey Bogart e Edward G. Robinson, e uma versão em 3D do clássico videoclipe do hit Thriller.
Talvez nunca se saiba o custo físico e mental que todo esse empenho teve sobre Michael, ou a quantidade de exercícios, drogas e medicamentos que seu corpo franzino suportou para se mostrar tão ágil e elástico. Nada do que se vê no filme dá pistas de que aquele homem estaria morto na manhã seguinte depois de mostrar o vigor de canções eternas como Billy Jean, Man in the mirror, Beat it e I¿ll be there.
E não deixa de ser tragicamente irônico ver Michael reproduzir a imagem icônica dos zumbis que deixam suas tumbas para cair na dança em Thriller. O Rei do Pop precisou morrer para mostrar o quanto estava vivo.