A exploração da miséria alheia e a caridade são a cara de uma televisão que prefere apelar a criar.
Um mau indicador do grau de desenvolvimento da televisão brasileira é o crescente número de programas que promovem assistencialismo, distribuem dinheiro ou iludem com a promessa de deixar o espectador rico.
Chamariz de audiência e, eventualmente, instrumento de promoção de marcas "parceiras", essas iniciativas prosperam, em pleno 2012, no chamado horário nobre de todas as emissoras comerciais.
A forma mais indecente, porque sem disfarces, é a prática de jogar para a plateia notas de R$ 50 ou R$ 100, caprichosamente dobradas em formato de aviãozinho, que diverte Silvio Santos, no SBT, há anos. Com um maço de dinheiro à mão, Silvio também premia as humildes participantes que acertam respostas ou dão soluções para as charadas simplórias que propõe.
Formas mais refinadas de oferecer dinheiro e ajuda encontram guarida em programas como os de Gugu Liberato, na Record, e Luciano Huck, na Globo. Reforma de casas e carros trazem a felicidade a uns poucos necessitados e divulgação para marcas e produtos que apoiam essas iniciativas.
Três casos me chamaram a atenção nos últimos dias.
Primeiro, ver que nem mesmo um programa supostamente com mais verniz, como "Encontro com Fátima Bernardes", resistiu à tentação de "ajudar" um personagem do noticiário.
O infeliz copeiro do Cervantes, que deixou de apostar no bolão da loteria dos funcionários do restaurante e perdeu a chance de faturar R$ 600 mil, mereceu lugar de destaque no auditório do matinal da Globo.
Anunciado do princípio ao fim por Fátima com um "daqui a pouco, a história de...", Lucio Flavio Osório falou do seu infortúnio na última parte da atração. Ao final, uma surpresa o aguardava. Por telefone, Luciano Huck convidou o copeiro a participar do quadro "Agora ou Nunca", uma atração que pode premiar o candidato com R$ 50 mil, em seu programa.
Para enfrentar a estreia do programa de Fátima, a melhor ideia que a Record teve foi também oferecer dinheiro -R$ 50 mil ao felizardo que acertasse uma difícil combinação de seis números.
"A Senha da Casa" foi a grande novidade do "Hoje em Dia", matinal da emissora, na tentativa de neutralizar o impacto da estreia da Globo. Não deu muito certo, em matéria de audiência, mas a emissora, pelo menos, não teve prejuízo, já que ninguém acertou os números.
Na RedeTV!, na estreia de um novo programa de auditório, o "Sábado Total", Gilberto Barros também recorreu ao expediente. Ofereceu ajuda à dona de uma lanchonete de Osasco cujo cachorro-quente é muito bom, mas que tem problemas de administração. Enquanto a moça servia hot-dogs à plateia, a produção de Barros fazia uma reforma no estabelecimento.
Isso sempre existiu, alguém dirá. Sim. Mas era de se esperar que este tipo de oferta -de dinheiro ou ajuda- perdesse importância num contexto de amadurecimento da TV e de crescimento econômico.
A exploração da miséria alheia, a caridade ou a sugestão de que programas são capazes de atenuar problemas sociais são a cara de uma TV que prefere apelar a criar.