Hosni Mubarak surgiu como um libertador. Tantos outros tiranos nasceram assim. Num Egito recém-independente, o bravo piloto, condecoração após condecoração, galgou postos, virou vice-presidente, herdou o cargo máximo do governo depois que o mandatário foi assassinado e lá se instalou há três décadas.
O ancião que hoje parece disposto a tudo para não ceder ao clamor do povo definiu a história recente do Egito. Controlou os extremistas, fez a paz com Israel, confraternizou-se com os aliados na Europa e nos Estados Unidos, mas cobrou um preço alto pelos serviços prestados.
Ao povo, impôs um modelo de desenvolvimento que concentrou a renda brutalmente enquanto a imensa maioria da população vivia na miséria. Como brinde, aparelhou o Estado, massacrou a oposição e instalou a tortura oficial. Fez rir da democracia em quatro eleições simuladas em que só ele podia se candidatar. Na quinta, permitiu outros partidos, desde que não fossem competitivos. A popular Irmandade Muçulmana foi proibida de apresentar um postulante à presidência.
Aos 82 anos, quando tentou deixar a presidência de herança para um filho, percebeu que já não seria tão fácil agir como sempre agiu. Os parceiros internacionais perderam a paciência, mas principalmente o povo sofrido do Egito decidiu finalmente se fazer ouvir. Em países árabes, protestos assim são raros e mostram o quanto os manifestantes estão dispostos a arriscar - muitos, a própria vida - em nome da mudança.
O regime de Mubarak está com os dias contados. Resta saber o quão violento será seu adeus. O homem que governou o Egito por mais tempo na história recente pode se sair dessa como um tirano sanguinário ou apenas mais um semi-ditador que tardou a largar o osso. Vai depender de como a polícia e o exército vão lidar com os manifestantes. É Mubarak versus o povo do Egito. Quem resistirá mais tempo nessa queda de braço? A esta altura, é difícil quem possa prever o que está por vir nos próximos dias.